sexta-feira, 2 de maio de 2014

Peça Infantil

A professora começa a se arrepender de ter concordado (“Você é a única que tem temperamento para isto”) em dirigir a peça quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi. É como um sinal. Todas as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi.

- Está bem, mas só as fadinhas – diz a professora. – E uma de cada vez!

Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.

- Uma de cada vez! Uma de cada vez! E você, onde é que pensa que vai?

- Ao banheiro.

- Não vai não.

Mas tia.

- Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio. Em segundo lugar, você não é fadinha, é caçador. Volte para o seu lugar.

- Um pirata chega atrasado e com a notícia de que sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve a toalha?

- Não. Você vai ser o único de capa branca. É melhor tirar o tapa-olho e ficar de anão. Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem. Porque você está chorando?

- Eu não quero ser anão.

- Então fica de lavrador.

- Posso ficar com o tapa-olho?

- Pode. Um lavrador de tapa-olho. Tudo bem.

- Tia, onde é que eu fico?

É uma margarida.

- Você fica ali.

A professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas.

- Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é coelhinho.

Mas o meu nome é margarida.

- Não interessa! Desculpe, a tia não quis gritar com você. Atenção, coelhinhos. Todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui. Lavradores daquele lado, árvores atrás. Arvore, tira o dedo do nariz. Onde é que estão as fadinhas? Que xixi mais demorado.

- Eu vou chamar.

- Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai chamá-las.

- Já vou.

- Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das margaridas. Você. Vá chamar as fadinhas. Piratas, fiquem quietos.

- Tia, o que é que eu sou? Eu esqueci o que eu sou.

- Você é o sol. Fica ali que depois a tia... Piratas, por favor!

As fadinhas começaram a voltar. Com problemas. Muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se mutuamente, mas no seu nervosismo só pioraram a confusão.

- Borboletas, ajudem aqui – pede a professora.

Mas as borboletas não ouvem. As borboletas estão etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus não ligam para o mundo. A professora, com a ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus das fadinhas.

- Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vai ser anão.

Desastre: quebrou uma ponta da lua.

- Como é que você conseguiu fazer isso? – perguntou a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente.

- Foi ela!

A acusada é uma camponesa gorda que gosta de distribuir tapas entre os seus inferiores.

- Não tem remédio. Tira isso da cabeça e fica com os anões.

- E a minha Frase?

A professora tinha esquecido. A Lua tem uma fala.

- Quem diz a frase da Lua é, deixa eu ver... O relógio.

- Quem?

- O relógio. Cadê o relógio?

- Ele não veio.

- O quê?

- Está com caxumba.

- Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela Lua. Sol, está me ouvindo?

- Eu?

- Você, sim senhor. Você sabe a fala da Lua?

- Me deu uma dor de barriga.

- Essa não é frase da Lua.

- Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora.

- Está bem, está bem. Quem diz a frase da Lua é você.

- Mas eu sou caçador.

- Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da Lua! E não quero discussão!

- Mas eu não sei a frase da Lua.

- Piratas, parem!

- Piratas, parem. Certo.

- Eu não estava falando com você. Piratas, de uma vez por todas...

A camponesa gorda resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata. A classe é unida e avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore. As borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em polvorosa. A professora grita:

- Parem! Parem! A cortina vai abrir. Todos a seus lugares. Vai começar!

- Mas, tia, e a frase da Lua?

- “Boa noite, Sol”.

- Boa noite.

- Eu não estou falando com você!

- Eu não sou mais o Sol?

- É. Mas eu estava dizendo a frase da Lua. “Boa noite, Sol.”

- Boa noite, Sol. Boa noite, Sol. Não vou esquecer. Boa noite, Sol...

- Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores. Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu esgoelo. Coelhinhos nos seus lugares. Árvores, para trás. Fadinhas, aqui. Borboletas, esperem a deixa. Margaridas, no chão.

Todos se preparam.

Você não, Margarida! Você é coelhinho!

Abre o pano.

Veríssimo, Luís FernandoFesta de criança. Para Gostar de Ler Júnior. São Paulo: Ática,



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