Peça Infantil
A professora começa a se arrepender de ter
concordado (“Você é a única que tem temperamento para isto”) em dirigir a peça
quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi. É como um sinal. Todas
as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi.
- Está bem, mas só as fadinhas – diz a professora.
– E uma de cada vez!
Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.
- Uma de cada vez! Uma de cada vez! E você, onde é
que pensa que vai?
- Ao banheiro.
- Não vai não.
Mas tia.
- Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio. Em
segundo lugar, você não é fadinha, é caçador. Volte para o seu lugar.
- Um pirata chega atrasado e com a notícia de que
sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve a toalha?
- Não. Você vai ser o único de capa branca. É
melhor tirar o tapa-olho e ficar de anão. Vai ser um pouco engraçado, oito
anões, mas tudo bem. Porque você está chorando?
- Eu não quero ser anão.
- Então fica de lavrador.
- Posso ficar com o tapa-olho?
- Pode. Um lavrador de tapa-olho. Tudo bem.
- Tia, onde é que eu fico?
É uma margarida.
- Você fica ali.
A professora se dá conta de que as margaridas estão
desorganizadas.
- Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é
coelhinho.
Mas o meu nome é margarida.
- Não interessa! Desculpe, a tia não quis gritar
com você. Atenção, coelhinhos. Todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui.
Lavradores daquele lado, árvores atrás. Arvore, tira o dedo do nariz. Onde é
que estão as fadinhas? Que xixi mais demorado.
- Eu vou chamar.
- Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai
chamá-las.
- Já vou.
- Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das
margaridas. Você. Vá chamar as fadinhas. Piratas, fiquem quietos.
- Tia, o que é que eu sou? Eu esqueci o que eu sou.
- Você é o sol. Fica ali que depois a tia...
Piratas, por favor!
As fadinhas começaram a voltar. Com problemas.
Muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se
mutuamente, mas no seu nervosismo só pioraram a confusão.
- Borboletas, ajudem aqui – pede a professora.
Mas as borboletas não ouvem. As borboletas estão
etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus não ligam
para o mundo. A professora, com a ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e
de um camponês, desembaraça os véus das fadinhas.
- Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vai
ser anão.
Desastre: quebrou uma ponta da lua.
- Como é que você conseguiu fazer isso? – perguntou
a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente.
- Foi ela!
A acusada é uma camponesa gorda que gosta de
distribuir tapas entre os seus inferiores.
- Não tem remédio. Tira isso da cabeça e fica com
os anões.
- E a minha Frase?
A professora tinha esquecido. A Lua tem uma fala.
- Quem diz a frase da Lua é, deixa eu ver... O
relógio.
- Quem?
- O relógio. Cadê o relógio?
- Ele não veio.
- O quê?
- Está com caxumba.
- Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela
Lua. Sol, está me ouvindo?
- Eu?
- Você, sim senhor. Você sabe a fala da Lua?
- Me deu uma dor de barriga.
- Essa não é frase da Lua.
- Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora.
- Está bem, está bem. Quem diz a frase da Lua é
você.
- Mas eu sou caçador.
- Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da
Lua! E não quero discussão!
- Mas eu não sei a frase da Lua.
- Piratas, parem!
- Piratas, parem. Certo.
- Eu não estava falando com você. Piratas, de uma
vez por todas...
A camponesa gorda resolve tomar a justiça nas mãos
e dá um croque num pirata. A classe é unida e avança contra a camponesa, que
recua, derrubando uma árvore. As borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em
polvorosa. A professora grita:
- Parem! Parem! A cortina vai abrir. Todos a seus
lugares. Vai começar!
- Mas, tia, e a frase da Lua?
- “Boa noite, Sol”.
- Boa noite.
- Eu não estou falando com você!
- Eu não sou mais o Sol?
- É. Mas eu estava dizendo a frase da Lua. “Boa
noite, Sol.”
- Boa noite, Sol. Boa noite, Sol. Não vou esquecer.
Boa noite, Sol...
- Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos
bastidores. Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu esgoelo.
Coelhinhos nos seus lugares. Árvores, para trás. Fadinhas, aqui. Borboletas,
esperem a deixa. Margaridas, no chão.
Todos se preparam.
Você não, Margarida! Você é coelhinho!
Abre o pano.
Veríssimo, Luís Fernando. Festa de
criança. Para Gostar de Ler Júnior. São Paulo: Ática,
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